Vocação: dom e serviço

Braso D. Pedro

No temático mês de agosto, a Igreja celebra as diversas vocações. Mesmo sendo variadas, todas as vocações tem uma só origem, que é Deus. É o mesmo e único Deus que nos chama. Os carismas, os dons e as vocações, além de terem uma só fonte, devem ser colocados a serviço da Igreja e dos homens. Uma vocação não existe senão que no entrelaçar do chamado e resposta. Para nós cristãos, não nos falta a consciência de que quem chama é Deus. Só Ele pode arrogar-se ao direito de convidar e propor ao homem um caminho que definirá toda sua vida.

O verbo latino “vocare” é a raiz de Voz e Vocação; ambas as palavras querem indicar que é Deus quem chama. É Ele quem dirige sua Palavra ao homem. Não podemos desmerecer que são múltiplas as formas ou os caminhos com que Deus nos chama. Por isso, não faltam na história da Igreja várias referências de pessoas que responderam ao seu chamado. Deus sempre se serve dos meios normais para nos chamar, e permite que sua voz seja ouvida (“Samuel, Samuel”) para que o vocacionado O responda (“Fala Senhor que teu servo escuta”). A resposta a Deus que nos chama só pode ser dada mediante a fé, que é a obediência à sua Palavra e convite.

A voz amiga e convidativa de Deus sempre nos assiste no curso de todo nosso itinerário vocacional, que implica toda uma vida. Talvez por isso, é melhor falarmos de “chamamento”, dado que esta voz não se faz ouvir só no início da vocação, mas nos acompanha no curso de toda nossa existência. Neste propósito, o “Sim” deve ser renovado a cada dia de forma alegre e convicta. É verdade que em toda autêntica vocação cristã é tão importante a resposta quanto o chamado; mas é verdade também que ela se firma cada vez mais quanto mais nos sentimos assistidos por Aquele que nos chama. Portanto, “as vocações eclesiais são manifestações das incomensuráveis riquezas de Cristo (Ef 3, 8), e devem ser tidas em grande consideração e cultivadas com prontidão e solicitude” (Ratio Fundamentalis, n. 11). A missão da Igreja é “cuidar do nascimento, discernimento e acompanhamento das vocações, em particular, das vocações ao sacerdócio” (Pastores Dabo Vobis, n. 34).

Por outro lado, toda resposta vocacional engloba uma opção que exige de nós muitas renúncias, já que escolhemos livremente o caminho que Deus nos indica. Em meio a tantas vozes do mundo, sobressai aquela de Deus. Para tanto, todo vocacionado precisa viver a dinâmica de uma abertura radical a Deus e aos outros. Vocação é dom de Deus a serviço dos outros. Não podemos fazer mais conta de nossa vida, uma vez que atendemos ao seu apelo e ouvimos atentamente a voz do seu chamado. A vocação como dom e carisma sem esta abertura, doação e serviço, não é possível. A consciência da doação é indispensável em qualquer vocação na Igreja, seja esta sacerdotal, religiosa ou leiga. É nesta abertura, entrega e serviço aos outros que ocorre a realização vocacional. A vida cristã é uma vocação porque é uma vida segundo o Espírito.

O tema deste ano para o mês vocacional é: “Amados e chamados por Deus”. De fato, toda vocação encontra sua raiz no amor, pois ele é para o cristão a medida de todas as coisas e o fundamento de todo autêntico chamado de Deus. Cuidemos uns dos outros, amemo-nos mutuamente. Vivamos a alegria do nosso chamado, no serviço generoso à Igreja, no testemunho e entrega aos irmãos e irmãs.

 

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No último dia vinte e oito, a Igreja do Brasil celebrou a Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo. Os dois apóstolos personificam a identidade da Igreja. Por caminhos diferentes, os dois deram o mesmo testemunho. No Evangelho de Mateus, lido no Ano litúrgico A, Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13). A resposta será dada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Tal resposta, vinda do Pai, já contém a semente da futura confissão de fé da Igreja, da qual Pedro é o fundamento e o chefe. Portanto, na definição da identidade de Jesus já desponta o papel eclesial de Pedro, onde a Igreja é convocada a professar a sua fé em comunhão com ele. Pedro aprende o significado real de seguir Jesus, e nos deixa esta lição. “Ubi Petrus, ibi Ecclesia”, ou seja, onde está Pedro, aí está a Igreja (Santo Ambrósio, Expositio in Ps., XL, §30).
Não são poucos os sinais na vida do apóstolo Pedro que indicam o desejo de Cristo em dar ao mesmo um destaque no Colégio Apostólico; o que se confirma na resposta de Pedro sobre a identidade de Jesus e em outras passagens em que ele fala em nome dos demais apóstolos. “Dentre estes, somente Pedro mereceu representar em toda parte a personalidade da Igreja inteira. Porque sozinho representava a Igreja inteira, mereceu ouvir estas palavras: ‘Eu te darei as chaves do Reino dos Céus’ (Mt 16,19). Assim manifesta-se a superioridade de Pedro, que representa a universalidade e a unidade da Igreja. A ele era atribuído pessoalmente o que a todos foi dado” (Santo Agostinho, Sermo 295, PL 38, 1348-1352). Deste modo, podemos afirmar que, desde os primórdios, a Igreja reconhece o primado de Pedro e de seus sucessores.
Na última Ceia Cristo confere a Pedro o ministério de confirmar os irmãos, mostrando que o ministério a ele confiado é um dos elementos constitutivos da Igreja, a qual nasce da comunhão da Páscoa celebrada na Eucaristia. Pedro deve ser o guardião da comunhão com Cristo por todos os tempos, ou seja, ele deve guiar o povo à comunhão com Cristo (cf. Bento XVI, Os Apóstolos. Uma introdução às origens da fé cristã. Ed. Pensamento. São Paulo, p. 68). O Concílio Vaticano II sublinhou com sabedoria esta comunhão ao dizer: “Jesus Cristo, Bom Pastor, prepôs aos demais apóstolos o Bem-aventurado Pedro e nele instituiu o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade de fé e comunhão” (LG, 18).
 Neste sentido, torna-se muito oportuno e atual o que vem dito no Catecismo da Igreja Católica: “O papa, bispo de Roma e sucessor de São Pedro, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da Igreja. É o vigário de Cristo, chefe do Colégio dos bispos e Pastor de toda a Igreja, sobre a qual tem, por divina instituição, poder pleno, supremo, imediato e universal” (CIC, 881-882).
Diante de um quadro complexo de proliferações de “magistérios paralelos” em diversos setores de nossa realidade eclesial, gerando confusão e divisão, os bispos, como mestres na fé, e em comunhão com a cabeça do Colégio, devem construir e garantir a unidade da Igreja, pois a cultura do ‘mundanismo’, subjetivismo e relativismo, fere esta mesma unidade querida pelo próprio Cristo (ut omnes unum sint). Não podemos nos sentir Igreja fora da comunhão com o Papa. Somente juntos podemos estar com e em Cristo. Precisamos aprender a caminhar juntos, superando inúteis polarizações.
Por fim, para bem frisar o sentido teológico e litúrgico desta solenidade, vale a pena reler e refletir as preciosas e desafiadoras palavras do Papa Francisco: “Como o Senhor transformou Simão em Pedro, assim chama a cada um para fazer de nós pedras vivas, com as quais construir uma Igreja e uma humanidade renovadas. Há sempre quem destrua a unidade e quem apague a profecia, mas o Senhor acredita em nós e pede-te: queres ser construtor de unidade? Queres ser profeta do meu céu na terra? Deixemo-nos provocar por Jesus e ganhemos a coragem de lhe dizer: Sim quero! “ (Homilia na Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo. Basílica de São Pedro, 29 de junho de 2020).

 

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