A PESSOA DE MARIA EM PERSPECTIVA TEOLÓGICO-ANTROPOLÓGICA: NELA, TUDO NOS FALA DE DEUS

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“Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38).

Maria, a Mãe de Jesus, é uma das figuras femininas mais veneradas e admiradas da história da humanidade. Além de belíssimos textos sobre ela existentes na Tradição católica, há também considerável apreço sobre a Virgem em algumas partes do Alcorão (livro sagrado do Islamismo), bem como em diversos textos piedosíssimos do reformista Martinho Lutero. Entretanto, há também muita controvérsia em torno da pessoa de Maria, gerando conflitos e discussões que beiram muito mais ao contratestemunho do que a um pretenso “amor purificado” pelas coisas de Deus. Vamos, então, nesse pequeno texto, fazer algumas considerações sobre aquela que é chamada de “Nossa Senhora” pelos católicos, considerando justamente o ponto de vista da Teologia católicasobre essa mulher tão admirada e controversa.

A primeira afirmação sobre Maria que precisamos fazer é a seguinte: ela foi o que foi pela graça de Deus, como também o foi o apóstolo Paulo (cf. I Cor 15, 1-11) e todos os santos.A devoção a Maria não possui fim em si mesma, e deve ser compreendida dentro do contexto do mistério divino. Deus agiu poderosamente nela, porque Ele é grande e tudo pode fazer com aquilo que apresentamos a Ele.Até mesmo quando rezamos o Rosário, os “mistérios” contemplados nos falam da grandeza e do senhorio de Deus, de tal forma que o que brilha não é propriamente o agir humano, mas o que o Senhor faz em nós e por nós. É “dos ‘mistérios’ ao ‘Mistério’: eis o caminho de Maria”,disse São João Paulo II(“RosariumVirginisMariae”, n. 24). Os mistérios da Mãe estão submersos nos mistérios do Cristo, “pelo fato de ela viver dele e para ele” (idem).

E, em especial, o mistério de Cristo é o mistério de todo homem, da humanidade inteira: “O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus. A sublimidade desta vocação sobrenatural revela a grandeza e o valor precioso da vida humana, inclusive já na sua fase temporal” (São João Paulo II, “Evangelium Vitae”, n. 2). Cristo é, por excelência, “o” modelo da humanidade, o protótipo do homem. Uma vez criados à imagem de Deus, somente em Cristo poderemos, de fato, nos tornar efetivamente semelhantes a Ele. A nossa existência tem Nele seu fato inicial(a grandeza de sermos criados por Deus à Sua imagem e semelhança), mas também seu fato final (Deus continua nos chamando à comunhão plena com Ele)... Somos o que somos pela graça de Deus, como Maria. “O mistério do homem só no mistério do Verbo se esclarece” (Concílio Vaticano II, “Gaudiumetspes”, n. 22).

Neste sentido, é preciso compreender o significado da pessoa de Maria numa perspectiva antropológico-teológica. Em Maria podemos contemplar um pouco do mistério do homem; Maria é exemplo concreto do que o ser humano é segundo o coração de Deus: imagem divina, chamado a uma comunhão profundamente íntima com a Trindade Una (cf. Concílio Vaticano II, “Dei Verbum”, n. 2)... “Ela é um valor universal permanente [...] mulher que se realizou completamente como pessoa [...] a Virgem é o grande símbolo do homem que alcança as aspirações mais íntimas da sua inteligência, da sua vontade e do seu coração, abrindo-se por Cristo e no Espírito à transcendência de Deus” (Congregação para a Educação Católica, “A Virgem Maria na formação intelectual e espiritual”, n. 21).

Olhando Maria, pensamos no Cristo e, contemplando o Cristo, reconhecemos a semelhança divina à qual nos reportar para sermos, efetivamente, a imago Dei que constitui nossa dignidade ontológica. Deus realiza em Maria o que deseja realizar em todo ser humano e, por consequência, em toda a Igreja: a humanidade plenamente salva e em harmonia com a sua natureza original, numa palavra, a humanidade bem-aventurada, feliz em plenitude. Por isso, afirma Michael Schmaus (Teologia dogmática VIII, Madrid: Palabra, 1963, p. 36-37) que em Maria (e na Mariologia, no estudo teológico sobre a pessoa de Maria) podemos encontrar de modo intrínseco, todas as linhas teológicas: a cristologia, a eclesiologia, a antropologia e a escatologia. Ela é uma referência singular para a contemplação humana do mistério de Deus.

Assim sendo, a Igreja tem muito claro em sua doutrina de que o reconhecimento que devotamos à Mãe do Senhor não tem nada a ver com adoração e idolatria (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 971 e n. 1090). Maria não é Deus, pelo contrário, é apenas uma mulher humilde, mas que esteve sempre aberta, com sua humanidade, a Deus, e foi, então, profundamente tocada pela graça, com uma contribuição especial no plano divino da salvação: ser a Mãe do Redentor, do único que nos salva. Isso não é pouco!

Maria, então,é pessoa que nos remete, de modo singular, ao núcleo do mistério de Cristo e da Igreja, e deve ser vista como figura que pertence ao povo de Deus e não à Trindade Santíssima (cf. Murad, Compêndio de mariologia, 2012). Em linguagem teológica, costuma-se dizer que a reflexão sobre a Mãe de Jesus é melhor conduzida a partir de uma mariologia marcadamente eclesiotípica e teológico-antropológica, compreendendo-a como um exemplo especial de crente e que nos precede na dinâmica do discipulado fiel e da plenitude humana para a qual somos chamados.

Quanto mais a Igreja fala de Maria e daquilo que ela significa para os cristãos católicos, mais a Igreja fala do próprio Jesus, de sua natureza e missão, e daquilo que Ele significa e é para todo o gênero humano, expressando, por consequência, aquilo que o próprio ser humano é chamado a ser. Isso evidencia o aparecimento de Maria em função do plano de salvação de Deus para a humanidade, e não como protagonista central desse plano. A Sagrada Escritura começa com dois exemplos de “faça-se”: o “faça-se” do Primeiro Testamento, que o próprio Deus pronuncia no ato da criação do mundo e do gênero humano, e o “faça-se” do Segundo Testamento, que Maria pronuncia em resposta à visita que Deus lhe faz na pessoa do anjo Gabriel. Entretanto, o “faça-se” de Maria é o da obediência humilde, da fé inabalável e sempre em crescimento compromissado, da serva fiel: um “faça-se” humano completamente submetido ao “faça-se” de Deus, soberano, criador e cheio de amor redentor, de tal forma que a palavra e os gestos de Maria nada são sem a referência à Palavra e às ações amorosas do Senhor, único digno de adoração e da“prosternação do espírito” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2628). A honra e a glória pertencem exclusivamente a Deus, que faz maravilhas entre nós: e Maria é um grande exemplo dessas maravilhas que Deus sempre faz na história da humanidade.

Portanto, se podemos dizer, junto com Isabel, que Maria é “bendita entre as mulheres” (Lc1, 42b), é porque, primeiramente, era “bendito o fruto” que ela carregava em seu ventre: Jesus (Lc 1, 42c). E, se podemos dizer, junto com o anjo Gabriel, que Maria é “cheia de Graça” (Lc1, 28b), é porque, primeiramente, reconhecemos que “o Senhor está com ela” (Lc 1, 28c). Por isso, louvado seja Deus, e bem-aventurada seja “aquela que acreditou” (Lc1, 45a), porque nela se cumpriu o que foi dito da parte do Senhor (cf. Lc 1, 45b).

 

Texto de Elvis Rezende Messias:licenciado em filosofia, bacharelando em teologia, mestre em educação, desenvolve pesquisa de doutoramento em ciências da religião. Professor na UEMG-Campanha e no Seminário Diocesano N.S. das Dores, Diocese da Campanha. Leigo casado, pertence à Paróquia São Sebastião, Varginha/MG.

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